Estamos cientes que o “O Existencialismo é um Humanismo”,
uma conferência adaptada por Sartre ao público leigo em filosofia, para expor o
básico dos princípios existencialistas, além de defendê-los das críticas feitas
com afinco por parte de católicos e marxistas da primeira metade do século XX,
foi uma obra básica, cabível a introduções ao tema. Sartre foi o único filósofo
a aceitar que sua doutrina fosse intitulada como “Existencialismo”. O meu foco,
neste texto, será o “O Ser e o Nada”, uma obra magna de Sartre, onde ele expõe
temas que são as raízes da filosofia existencial, da psicologia e da psicanálise existencial dentro de um caráter muito mais aprofundado. Além, é
claro, de traçar o paralelo com a metafísica, a ciência de tudo o que é
enquanto é.
Dentro da metafísica, a aproximação de “O Ser e o Nada” é
em relação aos modernos, à metafísica moderna, entre eles, Descartes, e a
famosa dicotomia sujeito-objeto. De acordo com as nomenclaturas expostas no
livro, o sujeito é, ao mesmo tempo, Em-si-Para-si, isto é, concomitantemente,
ele é, de acordo com a fenomenologia, uma influência que adveio de Husserl, um
objeto que aparece à nossa percepção, tido como Em-si, no mundo, e a nossa
capacidade psicológica é incapaz de alterá-los. Já o Para-si, é a consciência,
isto é, dotado de intencionalidade, o que nos constitui por sua projeção ao que
nos é exterior, assim somos o que não somos e não somos o que somos, visto que
a consciência não possui uma capacidade de repleção própria, a não ser
projetando-se ao mundo com constância para ‘ser’ algo, eis a maior explicação
para a máxima de Sartre: “O Homem está condenado à liberdade”. Ela é fundamento
de seu próprio nada. Quando explico esse tema aos meus leitores costumo fazer
uma analogia com uma frase que elaborei: O Para-si projeta-se aos fenômenos do
mundo assim como o vento dirige-se aos galhos de uma árvore e, ao balançá-los,
demonstra a sua existência.
Algo que não pode ficar de lado ao se falar da estrutura do existencialismo é o papel relevante da ontologia, esta, usuária do método
fenomenológico. Para ela, a intuição vale para descrever a estrutura tanto do
Para-si quanto do Em-si. A percepção, na fenomenologia, tem um importante papel
ao falarmos na transcendência. Quando focalizamos o nosso olhar em um objeto,
notamos as suas características por um fator: ele é transcendência
transcendida. O Em-si é algo transcendente, isto é, a apreensão de seus
atributos se dá por via de sua ida à consciência em que esta, ao mesmo tempo, é
preenchida e esvazia-se. Em-si e Para-si estão separados por um quesito, e ele
compõe o título da obra magna de Sartre: o nada.
A metafísica, captando as definições anteriores de
Aristóteles, uma ciência de caráter ineludível, incontornável, permeia as suas
buscas em questões originárias, a saber: cabe a ela investigar o surgimento do
Para-Si pelo Em-si e o sentido de tal aparição, de tal surgimento. Podemos
atribuir a ela o mesmo valor dado por Aristóteles, de uma ciência parasita,
pois aqui ela também pode verificar a aplicação do princípio da não-contradição
(uma coisa não pode ser e não ser sob o mesmo aspecto ao mesmo tempo) ou o
princípio do terceiro-excluído (uma afirmação é apenas verdadeira ou falsa, não
havendo um terceiro valor de verdade para a mesma). O Para-si é capaz de
abstrair os elementos presentes no mundo ao mesmo tempo que os outros também
podem nos apreender, visto que também somos ser-no-mundo, utilizando-se da
terminologia heideggeriana: Dasein.
Ser-no-mundo é estar lançado nele, implicando questões éticas
e morais, visto que o mundo é um verdadeiro campo de ação. E o existencialismo
de Sartre, mesmo por ser caracterizado como ateu, não elimina Deus totalmente
da jogada, ao menos a sua ideia, visto que a existência da ideia de Deus é o
mínimo necessário, funciona como um pré-requisito, uma figura perfeita onde os
considerados “bons valores” proclamados pelo homem podem fazer referência,
entre eles a honestidade e a caridade. O homem, ser corruptível, não poderia
servir como uma referência aos valores ético-morais seguidos pelo homem, que
pela liberdade, pelo ato individual, podem ser a quaisquer momentos rompidos.
Isto simplesmente demonstra que a filosofia existencial vai para além da metafísica e da ontologia, adentrando na filosofia moral.
Enfim, faço aqui um pequeno esboço e que por via da ampliação do diálogo, maiores e melhores trabalhos possam ser feitos. Visto que a filosofia é assim, com ela damos o ponta- pé inicial e por via do estudo, sem deixar de lado a investigação conjunta acompanhada do elenkhós socrático, aprendemos, redescrevemos, reconstruímos e formulamos nossas teses. E, em relação ao existencialismo sartriano, já disse Gerd Bornheim, um expoente dessa corrente filosófica e professor falecido da Filosofia da UFRJ: “O Existencialismo é das doutrinas mais características de nosso século”.
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