Ao
falarmos em uma introdução à Filosofia, logo pode vir à nossa mente uma tarefa
delicada, se nos deparamos com leigos no assunto, ou, mais comumente, leves
toques superficiais em corpos extensos de conhecimento. À luz da filosofia de
Hegel, uma filosofia como sistema, dividida em áreas específicas, nós podemos
ver que o caráter introdutório em relação a essa disciplina fica bem longe de
toda a dedicação demandada para quem deseja se aprofundar nela. Fala-se por aí,
inclusive, que quem deseja dedicar-se à Filosofia precisa desligar-se daquilo
que ocupa o seu tempo em demasia, caso não, o fracasso é garantido.
Gerd Alberto Bornheim (1929-2002) |
Gerd
Bornheim (1929-2002), que foi um dos grandes representantes do existencialismo aqui no Brasil, em seu livro Introdução
ao Filosofar, aproxima ainda mais as questões que permeiam a nossa vida,
algumas bem sutis, da necessidade da reflexão teórica. Como sua descrição diz: “O
pensamento filosófico em bases existenciais”, podemos sentir através da sua
leitura que a compreensão do período em que o homem vai de uma ruptura do
dogmatismo a uma postura crítica é o estopim da Filosofia desde a Grécia Antiga
até os tempos atuais. Desta forma, para Gerd o historicismo não deixa de ter a
sua importância para a atitude inicial do filosofar, uma vez que dele podemos
dispor de grande material para pesquisa em vista da compreensão sociocultural
do homem, já apontando a natureza da Filosofia, mas ele desfalece quanto à
dimensão existencial humana que, apesar de tudo, é também fundamental para a
historicidade.
Ao longo das páginas desse estimável
livro, podemos notar que a fenomenologia de Husserl é uma longa inspiração para
Gerd. A nossa atitude inicial do filosofar está fundamentada no questionamento
daquilo que é chamado de “tese geral”. Esta é dotada de três valores: um
gnosiológico, isto é, daquilo que concerne ao conhecimento das coisas; um
ontológico, que concerne a tudo aquilo que é, e um axiológico, ou seja, que
concerne aos valores que nós atribuímos a essas mesmas coisas, objetos de nosso
conhecimento.
Para
o autor, o período dogmático, antes do questionamento da tese geral, consiste
na plena aceitação por nossa parte de tudo aquilo que é instaurado no mundo
circundante. Vivemos para cumprir rotinas, cumprindo prazos estipulados, em
busca de honrarias, enfim, vivemos e o Outro é aquele que nos determina. Já
diria Sartre: “O inferno são os outros”. Quantas vezes já não entrou em
angústia o homem por não cumprir com aquilo que os outros esperavam da parte
dele?
O
que caracteriza o momento em que o homem recai em si sobre sua condição? Gerd
diz: uma “admiração ingênua”. Essa admiração ainda não é o filosofar, mas um
largo passo para ele. Aristóteles não nos diz no início de sua Metafísica que a Filosofia nasce do
espanto? Quando o homem se admira, recai
em si, sobre aquilo que o permeia e sobre sua própria condição concomitante de
sujeito e objeto de conhecimento? Questionando, o homem alcançará aquilo que
Gerd aponta como “negatividade”. Um período crítico, de derrubada de valores,
mas marcado por uma afirmação anterior. Vale também abordá-la, ainda que
brevemente.
A
negatividade é um momento de colapso, todos os valores atribuídos pelo homem às
coisas que o permeiam se evanescem, ele vê apenas a si mesmo, aquilo a que sua
consciência sempre intenciona está comprometido. Ele tem duas saídas: buscar
uma compreensão de sua realidade, convertendo-se à Filosofia, ou, radicalmente,
aderindo a um niilismo acentuado. Fala-se em afirmação anterior, pois para que
tal condição ocorra, o homem antes precisou afirmar dogmaticamente a sua
realidade, vivendo sem negá-la. Muito comum também nas ciências, o físico não
questiona a tese geral, por exemplo. Gerd exemplifica muito bem através do
romance sartreano A Náusea. A náusea para o personagem Roquetin nada mais é
que a colocação em jogo de todos os valores seguidos por ele. Uma condição
maçante, mas ao mesmo tempo necessária para uma compreensão geral da própria
dimensão existencial em que ele se insere.
Outro
ponto que vale destacar é quando Gerd reforça que quem estuda a Filosofia
apenas para fins estritamente práticos, não vai compreender o que realmente o
pensamento do autor pretende transmitir. Quem estuda algum autor ou área da Filosofia apenas para fins como obter um diploma ou aprovação em alguma
disciplina na universidade (muito comum em disciplinas externas do curso de
Filosofia e até mesmo internas) poderá compreender tudo, menos eles. A Filosofia,
assim, desvincula-se de sua história. Não é feita de exterioridade, mas de interioridade.
Quem estuda Spinoza apenas como um conjunto lógico de deduções compreenderá
qualquer coisa menos a Alma de seu pensamento, de sua reflexão.
Quanto
a mim, como estudante de filosofia, a leitura desse livro está sendo marcante.
Ela tornou ainda mais nítida a minha compreensão do que nos conduz à Filosofia.
A necessidade que me levou a deixar a Medicina. Compreensão esta que até para
quem há muitos anos já se ocupa da disciplina, ainda pode estar embaçada. Ainda
mais por ideologias que criam uma espécie de nuvem que encobrem a própria
dimensão filosófica. Que os faz sempre ter posicionamentos a priori acerca de
qualquer coisa. Enfim, Gerd, felizmente, claro, nos torna ainda mais evidente a
famosa afirmação de Kant: “Não se ensina filosofia, mas a filosofar”.
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